segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O Poema ensina a não cair, por Helena Simões da Costa



O Poema ensina a não cair


O poema constrói-se para lá da realidade visível
Para lá da percepção habitual
Onde os sonhos se arquitectam
para lá de toda a extensão
Onde a realidade sem deixar de o ser
transforma-se numa nova orbe
cujo privilégio é esculpir degraus
sulcando o seu próprio tempo
sem abismos e quimeras agoirentas que se penduram no teatro da decadência
disseminado em capelas po(rn)éticas sentados como nas missas inventadas por eles
onde se adoram uns aos outros como se a união fizesse a força dos fracos


A voz que deves escutar é apenas esta:
– Foge-lhes, insufla, crepita, molha, germina e volta a fugir-lhes


Só então se vêm à vida através do poema – ela própria
circunspecta e liberta mas aberta ao riso
que a morte pouco séria lhe causa –
eis o poema
ser-se a deixar de ser
tornar perfeita a obra que se sabe sempre inacabada
atravessar o tempo criando rasgos nessa infinita urdidura


Regressar às origens e alimentar
a promessa que faz respirar
a trama invisível que canta incessantemente o poema
e buscar a essência das coisas sem possuir a alma dos outros
esculpindo paradigmas com os olhos postos no movimento das estrelas
ser rigoroso na atenção e cantar obstinadamente ao vento

apenas aquilo que merece ser cantado
Ele fará o resto


Helena Simões da Costa © 2015


http://helenasimoesdacosta.wix.com/helencostafotografia
Helena Simões da Costa © Fotografia 2015





 
Este meu poema também foi publicado a 7 de Fevereiro de 2016 aqui http://www.arlindovsky.net/2016/02/poema-por-helena-s-da-costa/

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Helena Simões da Costa Fotografia



Conceito e Imagem


Conceito e Imagem’ é um projecto fotográfico, filosófico, poético e pictórico. Apesar deste projecto ser um estudo não deixa de ter a pretensão de dar a ver a relação que existe entre a imagem (na fotografia e na pintura) e o conceito (na filosofia e na poesia) e da interpenetração que existe entre ambos aquando a sua criação. Este projecto inspira-se também na ideia que Gaston Bachelard expressa em "La Psychanalyse du Feu" acerca da missão da Filosofia: “Tudo o que a filosofia pode esperar é tornar a poesia [da palavra e da imagem] e a ciência complementares, uni-las como dois contrários bem feitos…».


Se uma imagem não ‘fala’ totalmente por si, um conceito sem imagens também não se expressa de forma clara. Fala-se de imagem como representação. Temos o exemplo do cego que na compreensão do conceito cria imagens ou representações que o permitem mergulhar mais fundo na linguagem e criar outras perspectivas: alargar o seu campo de “visão”. Se um fotógrafo ou um pintor quando produzem uma imagem estão a criar novas perspectivas, i.e., a alargar os seus campos de visão, do mesmo modo, também um cego é, digamos assim, um criador de relações entre as coisas. Somos criadores de sentido. Tal como os cegos aqueles que vêem, não vêem as coisas tal como elas são, mas acrescentam camadas (de sentido) às coisas, de uma forma ou de outra. Apesar desta criação de relações entre as coisas (ou situações) ser um esforço intelectual, estas camadas de sentido são sempre guiadas pelos sentidos estético e ético. Alguém que fotografa tendo em conta a criação de um sentido e a sua comunicação, e não apenas a captação de um instante para mais tarde recordar, está a mexer com a linha do tempo, a criar a sua própria linha temporal de um tempo paralelo mas distinto daquele que surge numa mera captação do olhar.


George Sand dizia que "a vocação do artista é lançar luz sobre a alma humana.", sendo esta uma visão fora da linha temporal habitual que pode lançar uma nova luz, dar um outro sentido, em relação àquilo que é o plano habitual de percepção em que não existe um desnivelamento do real. O trabalho do artista é cinzelar o seu conceito e a sua imagem, que, posteriormente fundidos, são apresentados ao mundo. A mudança de plano (do plano habitual para o plano da criação) acontece quando aquilo que se pensa faz criar uma imagem, e quando essa imagem faz pensar de maneira diferente do habitual. Se por um lado, a imagem (fotográfica, poética e pictórica) depende do conceito para ser criada, por outro lado, esta mesma imagem* permite criar um novo conceito estético e ético. «Diz-me o que “vês” (lês, escutas, …) e eu dir-te-ei quem és.»


As fotografias presentes neste projecto são, na íntegra, da minha autoria. Os textos e as frases associadas às imagens são meus e também de outros/as autores/as.

Helena Simões da Costa


O meu trabalho pode ser visto aqui: Helena Simões da Costa Photography

 
Anjo, Photo credits: Helena Simões da Costa 2015

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Poema

Poema (para A.)


Nunca te procurei
Mas encontrei-te
Foste sempre tu e serás
Mesmo com as tuas falhas e falhanços

Também me encontraste
Já era amor antes de ser
Nem se guardam a sete chaves
Segredos etéreos que têm vontade própria

Mas não preciso que me completes
Só quero que me transbordes
Sou já completa na minha incompletude
Somos a vírgula um do outro
A única possibilidade de matarmos
As saudades infinitas que nos tiram o sono
Somos a possibilidade de transbordo um no outro
Se a desperdiçamos morreremos por muito pouco.


 Helena Simões da Costa ©


terça-feira, 29 de abril de 2014

Poema: Canto do Coração


Poema "Canto do Coração" (para A.)


Desde há uns dias atrás que um pássaro de cantar sentido e doce
Vem todas as noites à minha janela encantar-me com um sublime chilrear
Será uma suave melodia da boa nova? Será o pássaro dos bons-ventos?
Que pássaro será este? De onde vem? Ao que vem?
Que quererá ele da minha janela? Será pela minha luz?
Que quererá ele de mim? Trará ele notícias do meu amor?
Será um anjo? O meu anjo? Anjo selvagem? Ou só um selvagem?
Escreverá sobre o tempo? Inventou ele uma canção só para mim?
Será que está a apurá-la para me impressionar mais ainda?
Será um ensaio ou a versão final? Será a canção só para mim?
Onde estará ele nas outras horas? A compor para mim?
Serei a sua musa encantada? A sua sereia com pernas?
Gostará ele dos meus cabelos esvoaçantes de ave-do-paraíso?
Saberá ele que a sua melodia é a única que escuto?
Virá ele adormecer-me? Virá ele pôr-me a filosofar? Ou a poetar?
Será que ele quer que eu o pinte? Quererá ele um retrato abstracto?
Será uma mania de um pássaro louco? Saberá ele que sou selvagem?
Será uma fixação em mim? Será um pássaro passarengo?
Poderá ele estar a vigiar e a proteger a minha janela?
Será que só agora ele descobriu que eu falo a língua dos pássaros?
Quererá ele que eu lhe cante também?
Será um ritual noctívago? Será que caiu nele? Será uma negaça?
Estará ele a pedir-me comida? Será carnívoro?
Saberá ele que eu já corri com todas as moscas e melgas?
Será que ele me vem agradecer? Será por eu também ter asas?
Será por eu também ser pássaro? Será por ele gostar de olhos verdes?
Ou será apenas um pássaro que se perdeu do bando? Quererá ele uma bússola?
Saberá ele que quando canta está no bom caminho?
Estará ele a deleitar-se a exibir a voz de pássaro?
Terá ele roubado o cantar a outro pássaro? Terá vindo da Floresta Negra?
Será ele um pássaro fenomenólogo da poesia e do canto?
Será que ele lê e se inspira em Virginia Woolf? Ou será Fernando Pessoa?
Será que de noite o meu amor se transforma em pássaro?
Só para me vir cantar e ver-me aflorar à janela?
Gostará ele de flores? Saberá ele que eu sou uma flor?
Gostará ele de orquídeas ou de verbena? Ou de rosmaninho e jasmim?
Saberá o pássaro que já antes de me aparecer à janela eu ouvia a sua música?
Será o pássaro a ganhar coragem para me declarar o seu amor?
Será que eu sou a sua estrela guia? Saberá ele que eu sou uma estrela?
Será que o pássaro se chama 'canção de embalar'?
Será uma espécie em extinção? Será que ele me quer levar?
Será que o seu canto é de medo? Ou de coragem?
Será que o pássaro finalmente me encontrou?

Saberá ele que mesmo em silêncio eu ouço o seu cantar?

Será que o pássaro já percebeu que só gosta de me dar música a mim?
Terá o pássaro percebido que eu sou a sua canção? E que me canta só a mim?

Saberá ele que sou a sua doce canção, o seu cantar e o encanto do canto que cai em mim?
Afinal o pássaro fenomenólogo é mesmo o meu Amor
E finalmente chegou sem medos para dar música ao meu coração.


Helena Simões da Costa ©

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Poema: Declaração de Amor I

 
Vem

Já sou completa
Não preciso de ti para nada

Mas
Sem saber explicar porquê
Preciso de ti como de mais ninguém

Vem

Sem teres
Apenas a seres
Só tu
Nu
Na tua sublime solidão

Vem
Amor

Traz-me o teu azul

A verdade libertar-te-á.



Helena Simões da Costa ©